sexta-feira, 1 de maio de 2009

Jantar no escuro

Eu sou muito dominado pelo primitivo, o primitivo é que manda na minha alma, mais do que os olhos. Eu não acho que seja pelo olho que entram as coisas minhas, elas não entram, elas vem, elas aparecem de dentro, de dentro de mim."(Manoel de Barros)

Sabe aquela máxima de que comida se come com os olhos? É mesmo bonito ver um prato bem decorado. Mas ontem eu tive uma experiência bastante diferente. Participei de um jantar no escuro, de olhos vendados por quase duas horas. E o que me ocorreu foi exatamente o contrário do que estamos acostumados. A falta de visão aguçou o meu paladar. Um verdadeiro teste de sensibilidade. Para ouvir, Ray Charles em Sweet Memories.

Quem inventou
É uma prática que acontece em outras capitais no mundo afora, como Nova York, Berlim, Londres e Paris. Quem trouxe a idéia para São Paulo foram as psicólogas Elis Feldman e Maria Lyra. As jovens passaram por essa experiência em Paris e de tão impactadas que ficaram com o jantar no escuro estão reproduzindo essa atividade por aqui há cerca de um ano, em encontros intimistas, para poucas pessoas, em que é preciso fazer reserva com antecedência e informar sobre possíveis restrições alimentares. Detalhe: segundo as psicólogas, nunca uma taça ou um prato foram quebrados. Elas acreditam que as pessoas passam a ter mais consciência dos seus movimentos e do espaço.

Como funciona
Estávamos em doze pessoas, eram seis casais. Por coincidência, havia um rapaz cego que disse: "Hoje vocês vão conhecer um pouco do meu mundo". A experiência aconteceu no restaurante Goa, um vegetariano aqui de São Paulo. A casa não estava completamente às escuras, haviam velas em alguns pontos, mas a luz era beeem baixa. Fomos vendados um a um e conduzidos à mesa segurando nos ombros dos garçons. A minha sensação era parecida com a de embarcar em uma montanha-russa. Não sabia o que iria comer, nem como conseguiria levar o alimento até a boca. Estava com medo e aflita. Eu não enxergava um palmo diante do nariz.

 

Comendo no escuro
Tudo é cuidadosamente explicado pelas psicólogas e as pessoas ficam em silêncio, concentradas. Havia um rapaz fazendo um delicado solo de violão. Quando o primeiro prato chegou à mesa, tive que botar à prova meus outros sentidos, já que estava vendada. Passei algum tempo apreciando o aroma e aí, não teve jeito, voltei a ser criança e comecei a tatear a comida. Estranho? É mesmo. É uma tarefa difícil e, para encarar, você tem que esquecer algumas regras, quebrar certos preconceitos. Eu tinha garfo e faca se quisesse, mas a vontade de comer com as mãos foi instintiva. O menu todo, da entrada à sobremesa, é feito justamente para isso. Entre um prato e outro, as meninas recitavam poemas de Fernando Pessoa, tocavam sininhos e ofereciam toalhinhas quentes e úmidas para limpar as mãos.

Consegui adivinhar a comida
Mesmo com alguma dificuldade, pude distinguir a comida apenas pelo sabor, sem ter o estímulo visual. Degustei uma saladinha com ovos na entrada. Depois, seguiram dois pratos principais, um carpaccio de abóbora e um nhoque de beterraba. Por último, provei tortinha de chocolate com sorvete de laranja.

Foi, para dizer o mínimo, uma experiência inspiradora.

Para quem ficou interessado, novos jantares às escuras já estão com data marcada para acontecer em São Paulo:
>> 14 de maio: no Goa, em Pinheiros
>> 19 de maio: no Capim Santo, nos Jardins

As psicólogas também fazem o jantar às escuras na casa das pessoas, sob encomenda.
O contato da Elis Feldman é (11) 8339-5099


Fonte: Veja SP

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