sexta-feira, 9 de outubro de 2009

BEM ENVELHECER

Por Norton Sayeg

Você nunca pode justificar nenhuma dor, nenhum desprazer, nada, pelo fato de um indivíduo ter 80, 90, 100 anos de idade”, afirmou o geriatra e gerontólogo Norton Sayeg, durante conversa com o Conselho Editorial da Revista E.?Com mais de 30 anos na carreira médica – já tendo passado pela cirurgia (cardiovascular e oncológica) e pela diretoria clínica e administrativa de vários hospitais –, Sayeg atua na área desde 1984, quando prestou concurso na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) para obter o título de especialista. “Sou do tempo em que se dizia: ‘Nem peça [para medir] o colesterol desse senhor, pois ele tem 80 anos de idade’”, afirma. “Viam a idade do paciente e achavam aquilo normal. Não é normal, é comum, no entanto essas palavras, de vez em quando, aparecem como sinônimo uma da outra, mas não são.”

Durante seu depoimento, o médico, também formado em sistemas de saúde e administração hospitalar, abordou mitos e conceitos ligados à terceira idade – tanto no aspecto clínico quanto no psicológico e social –, como depressão e políticas públicas, e deu dicas de como envelhecer bem. “São coisas básicas, mas que mexem com o estilo de vida – e mudar o comportamento é muito difícil.” A seguir trechos.

O papel dos médicos
Quando se fala em política para idosos, temos que tomar alguns cuidados. As perguntas a serem feitas são: Que população eu estou atendendo? Que idoso é esse? Ele tem renda, tem família, trabalha, é casado, tem alguma doença limitante do ponto de vista ?físico? Veja quantos segmentos de pessoas idosas nós temos. Basta pegar um segmento, que me interessa muito, que é o de idosos que sofrem de Mal de Alzheimer. Não existe um centro diurno de tratamento para doentes com esse tipo de doença. Não espere que a iniciativa privada vá fazer isso, pois não dá lucro. O indivíduo que conseguir ter lucro com centro diurno provavelmente não dá boa alimentação, condições, recursos adequados etc. Ao nos comparar aos Estados Unidos temos de admitir que em algumas coisas eles são melhores. Eles têm 2 mil centros diurnos apenas para tratamento de pacientes com Alzheimer. Nós não temos nenhum. Além disso, a formação dos médicos ainda peca muito em geriatria. Ainda falta muito na conscientização e na prática no que diz respeito à prevenção de doenças e de agravos à saúde quando ainda somos jovens.

Informação
Existe um conceito antigo e consagrado de que o envelhecimento é uma questão biopsicossocial. Você não pode tratar somente o corpo e o organismo do indivíduo sem que você contemple outras áreas, especialmente a área social. Do ponto de vista médico e clínico, todas as pessoas deveriam começar a prestar atenção nessas questões a partir dos 27 anos de idade, que é quando começamos a envelhecer. A partir dos 30 anos, vale a pena ir ao médico fazer uma revisão de saúde – não necessariamente a um geriatra, mas a um clínico preparado e motivado a contribuir para que as pessoas envelheçam com qualidade. Por exemplo, a mulher jovem que não toma leite, que não faz exercícios físicos, que toma café e que fuma, pode esperar a osteoporose bater na sua porta quando entrar na menopausa. Ou seja, pode ser feito algo a respeito na juventude, com uma simples orientação. Sempre aproveito, quando a neta vem acompanhar a avó ao meu consultório, para fazer essa parte preventiva, perguntando se a neta toma leite, se faz determinadas coisas, se faz exercícios, se faz uma “poupança óssea” para gastar no futuro. São pequenas coisas, basicamente informação. Isso é algo que me apaixona em geriatria, pois não estamos falando em tecnologias de milhões de dólares, estamos falando de uma pessoa informada e interessada na saúde da outra, que senta, conversa e informa.

Depressão na terceira idade
A depressão na terceira idade é um assunto extremamente importante. Primeiro porque não existe prevenção, você pode até tentar evitar isolamentos com programas [de atendimento ao idoso]. A apresentação da depressão em pessoas com mais idade é completamente diferente do que no caso de um jovem. Todo mundo conhece o jovem [e reconhece um quadro de depressão]: não quer mais ir à faculdade, não atende mais os amigos, não sai da cama, fica de mau humor. Está caracterizada a depressão. À medida que nós envelhecemos, os sintomas da depressão são completamente diferentes. E existe um fator cultural perverso, algumas pessoas ainda acreditam, no século 21, que depressão é falta de caráter, de brio, personalidade fraca. Isso é uma bobagem muito grande. É uma doença como qualquer outra. Mas existe esse mito ainda. Agora, imaginem o que acontece no caso das pessoas mais velhas? A vergonha de dizer que está deprimido. Determinados arranjos familiares fazem com que a pessoa tenha ainda mais vergonha de se confessar. Ela acorda supertriste, numa melancolia muito grande durante anos. Daí, essa pessoa pensa: “Moro com minha filha e genro que me dão teto, carinho, comida, amor, tudo. Como vou contar que estou triste?”. Isso existe com uma frequência absurdamente grande e perversa, pois essas pessoas não se confessam ?deprimidas.
Pelo consultório, eu vejo que uma das causas de perda de memória é a depressão. Quando algum paciente entra no consultório dizendo que está com perda de memória, a primeira coisa que eu faço é tentar descobrir se ela está deprimida ou não. Faço a pergunta, a pessoa responde que está tudo ótimo e logo depois começa a chorar. Então, os sintomas de depressão em pessoas mais velhas são: primeiro, a perda de memória; depois vem a insônia, dificuldade para dormir – e, quando dorme, acorda muito e tem sono leve –; terceiro, alteração do apetite (o jovem deprimido come muito, em idosos ocorre a perda de apetite e emagrecimento); quarto, mudança de personalidade. A pessoa sempre foi a algum lugar, por exemplo, e, de repente, para de ir. O tratamento da depressão é extremamente eficaz, e a maioria dos pacientes retoma suas atividades e volta a desfrutar de sua vida alegre e participativa. Em termos de prevenção, elimine os fatores de risco absolutamente conhecidos: entre outras coisas, deve-se manter o peso, não fumar, não beber, controlar pressão, colesterol, manter uma atividade física e uma vida social.

Sem segredo
As pessoas se informam sobre o que faz mal e o que faz bem. Certa vez ouvi uma coisa muito interessante: uma pessoa chegou para mim e disse que não tinha tempo para ficar velha. “Eu acordo às 6 da manhã, tenho meu grupo de corrida, volto, troco de roupa, etc. etc.” Era uma pessoa com muitos compromissos, e acho que isso contribui muito para você envelhecer com qualidade. Eu sempre digo [para os pacientes]: “Levante de manhã e tire o pijama, a camisola. Essa é a primeira medida”. Muitas vezes, a gente percebe que as pessoas vão se desleixando quanto à aparência porque ficam muito tempo em casa. “Por que vou cuidar da minha aparência se não saio daqui?”, esse é o pensamento. Não acho que exista segredo para o bom envelhecimento. São coisas básicas, mas que mexem com o estilo de vida – e mudar o comportamento é muito difícil. O que poderia ajudar muito seria se tivéssemos uma televisão um pouco mais motivada. Eles não sabem o quanto poderiam ajudar na mudança de perfil da saúde da população.

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